Algo me deixa inquieto

Algo me deixa inquieto. Eu sou professor de Sociologia no ensino médio de uma escola estadual em um pequeno município do Vale do Itajaí. Na cidade os moradores mais antigos e seus familiares mais jovens se orgulham de sua descendência predominantemente alemã. Na cidade também, os ditos “nativos” se orgulham da prosperidade movida pela força da indústria local. Os jovens, desde cedo, contagiam-se com a atmosfera paralisante do trabalho precoce. Aprende-se que o trabalho e tão ou mais importante que a educação escolar.

Com o advento da aprovação da reforma do ensino médio por via de uma medida provisória concebida pelo governo golpista de Michel Temer, uma nova realidade se impõe.

Minha escola foi selecionada para ser uma “escola piloto” para a aplicação do novo ensino médio que, em suma, diminui a carga horária destinada aos conteúdos da BNCC e flexibiliza o currículo oferecendo aos estudantes opções de aprofundamento em itinerários formativos, sendo um deles, a formação técnica profissional. Neste sentido, há uma clara fragmentação do ensino.

Essa fragmentação suscita algumas discussões acerca da possibilidade de aprofundamento das desigualdades sociais uma vez que, os jovens com menor poder aquisitivo tendem a escolher cursos técnicos profissionalizantes para disputar posteriormente, baixos cargos num mercado de trabalho já bastante limitado. Já os jovens com maior poder aquisitivo tendem a escolher o ensino propedêutico e continuar seus estudos em cursos superiores, o que possibilita alçar melhores cargos no mercado de trabalho. Este problema não é recente e remonta à história da educação brasileira.

De acordo com esta perspectiva, reconhecendo o contexto de desigualdades no seio da educação brasileira, e reconhecendo também um possível aprofundamento do problema, minha preocupação reside no papel da Educação Científica e Tecnológica em meio a este panorama de reforma, uma vez que parto do pressuposto de que os discursos sobre ciência e tecnologia que circulam no contexto do ensino médio também refletem relações de poder e subordinação típicas das sociedades capitalistas. As disputas pela hegemonia de um projeto educacional significam também disputas pelos sentidos sobre C&T que circulam no contexto da educação básica.

De acordo com o documento da reforma do ensino médio temos, enquanto escola, a autonomia para construir um currículo de acordo com a realidade dos estudantes e da comunidade a qual pertencem. Levando isto em consideração e o que foi discutido na disciplina, fico me perguntando quais os rumos que devemos tomar. Como poderemos construir um currículo de perspectiva “decolonial”, socialmente contextualizado no que tange a C&T; e que atenda as necessidades dos estudantes e de uma comunidade inserida numa realidade não subalternizada?

Por Lucas Alexandre Maurici


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