"O céu vai cair e vai acabar tudo."


(...) O tempo ocidental é o tempo da produção, do acumulo, da riqueza, do futuro. (...) O tempo indígena, no entanto, é o tempo da natureza e a natureza, como dizia Charles Darwin, não dá saltos – Natura no facit saltus, ele dizia. É o mesmo que dizer que a natureza segue uma lógica que responde às suas próprias necessidades. O tempo do corpo é o tempo da natureza. Respeitar este tempo é oferecer ao corpo tudo o que ele precisa para viver com equilíbrio. Assim, o corpo segue o tempo de suas necessidades obedecendo a circularidade que a própria natureza lhe desperta. Vale lembrar que ao refletirmos sobre isso nos colocamos dentro da natureza como parte dela. É assim que os indígenas se sentem em suas diferentes formas de humanidade. (MUNDURUKU, p.2, sd). 


Como professor de história da rede pública da educação básica, sempre iniciei minhas aulas com indagações para a turma – fossem elas do 6° ano do EF II ou 3º ano do EM – sobre o que é História, mito, fontes históricas, narrativas, cosmogonias, cosmologias, cronologias e tempo, para, assim, adentrarmos nos assuntos temáticos subseqüentes, os quais se orientavam pela divisão quadripartidite da História: Antiga, Medieval, Moderna, e Contemporânea. Apesar de nós, professores de história e demais historiadores e indivíduos interessados na análise e produção do conhecimento histórico, reconhecermos que tal divisão é uma construção, o que contraria noções de senso comum e da história tradicional nos moldes positivistas, nós acabamos por reproduzí-la constantemente, seja quando estamos em sala de aula ou quando estamos a escrever. Frente a isso, refletirmos e questionarmos sobre de que noção de tempo estamos falando é importante: Estamos, afinal, no ano de 2019? 5780 (como previsto no calendário judaico)? Ou no ano 4771 (de acordo com o calendário chinês)?

Figura 1 - Divisão quadripartídete da História

Thompson, um historiador marxista inglês do século XX, contribui  para discutirmos esta questão, pois no livro “Costumes em Comum” (1980), ele afirma que na Modernidade, com o desenvolvimento do capitalismo, a percepção do tempo compartilhada pelas pessoas se modificou, partindo de uma noção de tempo que passa/avança, ligado aos tempos da natureza, para uma ligada ao de tempo gasto. Isso pode ser ilustrado ao contrastarmos o trabalho feito, por exemplo, pelos camponeses e pelos proletários. Os primeiros, orientavam sua vida a partir do desenvolvimento de tarefas, relacionadas à manutenção de atividades, sobretudo, agrícolas/agrárias, em que a vida não se separava do trabalho e a divisão de trabalho existente, muitas vezes, ocorria dentro das próprias famílias. Com a “extinção” da manufatura e com a expansão da maquinofatura, o relógio mecânico passou a fazer com que o tempo se tornasse moeda, em que o que predomina não é a tarefa, mas o valor do tempo quando reduzido a dinheiro: “ninguém passa o tempo, e sim o gasta”.

Figura 2 - Torre do relógio da estação de Paranapiacaba, no interior de São Paulo

Apesar de lutarmos pela construção de outro modo de produção, noções capitalistas, como a de tempo trazida por Thompson, estão fortemente presentes em nossos imaginários e vem tensionado e sendo limitantes para a vida, até mesmo, daqueles que estão fora de uma divisão de espaço entre urbano/rural, ocidental/oriental: os povos das florestas.
No belíssimo documentário chamado “Para onde foram as andorinhas?” (2015) evidenciam-se as mudanças climáticas causadas pela ação do homem branco, devido aos avanços científicos e tecnológicos, a partir do olhar dos indígenas do Xingu, que tem observado que as árvores não florescem mais como antes, que os frutos da roça estão estragando antes de crescer, que o fogo se alastra com cada vez mais freqüência e intensidade nas florestas e que andorinhas não cantam mais anunciando a chuva, já que o calor cozinhou seus ovos. Dentre as inúmeras falas, chamou-me a atenção aquela destacada abaixo:


Figura 3 - Cena do documentário “Para onde foram as andorinhas?”
(Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=T0-INQW3It0)

De forma muito lúcida, os indígenas do Xingu denunciam que o homem branco vem destruindo as florestas que habitam, de forma a estender o seu ecocídio para o epistemicídio, ao apagar, inclusive, a temporalidade da vida indígena, regulada pelos tempos da natureza. Diante disso, para eles em sua cosmogonia, o criador irá, quando não haver mais indígenas e só os brancos devido aos problemas climáticos, fazer com que os sapos que seguram as duas pontas do céu sumam, acarretando na queda do céu, acabando com tudo.

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