Nossos conhecimentos: Barulhos desde o cu do mundo mal chamados de decolonialidade


Nossos conhecimentos: Barulhos desde o cu do mundo mal chamados de decolonialidade



É evidente (ou pelo menos para os corpos marginalizados) que a herança colonial e eurocêntrica, além de ser uma questão politica, econômica, de saber e do ser, necessariamente passa também pelo corpo. Nesse sentido, e como levantei algumas vezes nesta disciplina que tanto me contribuiu, chama minha atenção a falta de corpo do “giro decolonial”.


Como assim falta de corpo no giro decolonial?

Acho que o querido Grosfoguel pode me ajudar a explicar, ou melhor, evidenciar, o que eu quero colocar. Em um de seus textos mais famosos, publicado em 2008, e intitulado: “Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global”, o querido de Porto Rico menciona:

Ramon Grosfoguel è essa pessoa aqui :)

“A “egopolítica do conhecimento” da filosofia ocidental sempre privilegiou o mito de um “Ego” não situado. O lugar epistémico étnico-racial/sexual/de género e o sujeito enunciador encontram-se, sempre, desvinculados. Ao quebrar a ligação entre o sujeito da enunciação e o lugar epistémico étnico-racial/sexual/de género, a filosofia e as ciências ocidentais conseguem gerar um mito sobre um conhecimento universal Verdadeiro que encobre, isto é, que oculta não só aquele que fala como também o lugar epistémico geopolítico e corpo-político das estruturas de poder/conhecimento colonial, a partir do qual o sujeito se pronuncia” (GROSFOGUEL, 2008).

Procurei por vários dos textos do Grosfoguel, dos mais antigos aos mais recentes, e em nenhum deles, encontrei uma problematização ou explicitação do seu lugar epistémico étnico-racial/sexual/de género. Pois bem sabemos que se existe uma marca dura na colonização é aquela que reduziu o corpo não branco, não masculinizado, e não cis-heterosssexual, a um corpo, a um corpo para o sexo, a reprodução, e principalmente, para o trabalho mal remunerado (quando remunerado). A colonização nos ensinou que o mais importante do corpo branco é sua mente e aquilo que ele pensa (a cabeça), pois isso é conhecimento “pra valer”. Eles são mentes (cabeças) e conhecimentos, nos somos corpos (cus) e trabalho. 

No plano simbolico, eles seriam algo parecido a isso aqui:

E nòs, algo assim?:



E bom, parece que os decoloniais não escapam de reforçar essa dicotomia.

Grosfoguel é um cara branco, cisgênero, heterossexual (se é viado, ele não tem se assumido politicamente, coisa que seria bem incoerente numa perspectiva decolonial), que estudou nos Estados Unidos. Ele, assim como Mignolo, Boaventura Santos, Dussel, Quijano, e inclusive, Walsh, nenhum deles tem problematizado os aspectos de seus próprios corpos na sua produção de conhecimento. Esse, com certeza, é um privilegio branco. Diferentemente de Fanon, Mbembe, Lugones, Cesaire...

Esse aqui è o Achile Mbembe (amooo) 

Utilizando de novo a Grosfoguel, parece que o giro descolonial também tem reforçado a “egopolítica do conhecimento” da filosofia. Parece que os únicos que devemos falar de nossos corpos e colocar nosso lugar corpo politico somos os negros, os indígenas, as travestis, as pessoas trans, as maricas, as zapatao, as bixas, e em alguns casos, as mulheres brancas e as pessoas mestiças.  

Cuidado!!
   
Para não ferir o ego masculino branco dos decoloniais, devo esclarecer que não estou desmerecendo suas contribuições e a potencialidade das suas colocações, inclusive eu referencio eles constantemente. Mas me permito denunciar a falta de corpo no “giro decolonial”, problematizar “isso ai”. 


E é ai onde chego no Cu. Lugar que adoro alias.
Gosto muito da geografia corporal para entender a colonialidade do saber, e também porque sou biólogo e corpo é um eixo estrutural desta disciplina. E também porque sou viado/marica e adoro explorar meu corpo. Em fim, se o norte insiste em se colocar como aquele lugar do saber legitima, na geografia corporal ele seria a cabeça. Nessa linha, o sul, visto unicamente como lugar de tradução dessas teorias do norte ou de produção de “folclore”, seriamos  o cu. Isso para as pessoas que não tem medo de falar do corpo e nossas sujeiras. Imagino que outros prefeririam ser os pês, um pau grande (por aquilo da masculinidade), a barriga, ou um lugar menos vergonhoso.

Isso aqui è um cu, uma forma de cu entre tantas 

Estas pessoas do sul, que assumimos nosso lugar corpo político, somos sim o cu. Nunca branquinhos, sempre algo sujos, estamos em todos lados e em todas as pessoas mas todxs nos querem manter escondidos, nas sombras, ninguém quer falar de nós. Além disso, o barulho que fazemos parece estranho para as pessoas, pouco relevante, e até chato de escutar. Inclusive, para o giro decolonial, onde ainda não vi uma travesti, uma zapatao, um marica, uma pessoa não binaria, uma pessoa deficiente, como grande referente para pensar essa decolonialidade. No máximo, somos autores (ou no máximo, atores sociais, nunca intelectuais) secundários ou que servimos de exemplo para as magnificas teorias daqueles brancos maravilhosos. As pessoas negras e indígenas do giro decolonial (que são pouquíssimas), também ocupam lugares secundários, e periféricos nesse giro, em comparação a grandes estrelas como o português Boaventura Santos (vocês leram bem, O CARA DE PORTUGAL, no giro decolonial rsrsrsrs).

Alguma diferencia???

Em fim, nem no giro decolonial, tão subversivo que se apresenta, temos lugar para o cu. Que pena, pois não sabem do que perdem kkk. Mesmo assim é um movimento interessante, porque me da a licença branca necessária para trabalhar desde o sul em contextos acadêmicos e de poder tão fechados como essas universidades euro-centradas, especialmente, na educação científica. E dois, porque essa tentativa de ser uma cabeça latina, tal vez contribua em algumas coisas legais para a justiça social e epistêmica.

Sou DeCUlonial, ou melhor, estou DeCUlonial

Eu por enquanto me considero um deCUlonial. Mestiço, migrante, pobre, cisgênero e marica. Não decolonial, porque isso seria apagar meu corpo e as vozes de corpos desse sul fodasticos com os quais tenho aprendido um monte. Mas também não posso apagar totalmente essa filiação pois preciso dela para me manter nos contextos acadêmicos, com a licença branca para trabalhar.             
Eu trabalho com DeCUlonialidade, aqueles barulhos bizarros que ainda nem consigo traduzir para essa academia. Mas que me movem para desestabilizar esses espaços, essa biologia, essa academia, essa escola, essa universidade, essa sociedade. Como menciona a Marlene Wayar (2007) como vírus chegando para infetar. 

Essaa aqui è a Marlene Wayar, maravilhosa que amooo


Para isso estamos aqui, e agradeço enormemente à disciplina, ao Irlan e a Tatiana por ter me permitido aprofundar nessas discussões (Beijinhos e abraços!). Espero proximamente poder escrever e aprofundar mais sobre estas discussões que por enquanto trouxe aqui, e que reconheço são bastante germinais, os primeiros puns rsrsrs     

Yonier Alexander Orozco Marin, la loca Mariquis.   

Ahhh e as referencias, desculpa branquitude academica, quase esqueço das suas normas rsrsrsrsrs (brincadeira sqn), estao aqui:    

GROSFOGUEL, R. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista crítica de ciências sociais, n.80, p. 115-147, 2008.

WAYAR, M. Editorial. El teje, v.1, n.1, 2007, p-2-3.

Comentários

  1. HAHAHA
    Eu AMEI!
    Deboche, ironia no tom certo. E muita originalidade!
    Obrigada por nos ter apresentado a Marlene Wayar.
    Escreve mais.
    Beijos!

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