Ciência e Tecnologia outras, a partir dos estudos decolonais



A consagração da ciência moderna nos últimos séculos naturalizou a explicação do real, a ponto de não podermos conceber outras formas de conhecimento como coexistentes, válidos e reais. Essa construção epistêmica eurocêntrica-hegemônica está pautada na justificativa de ser um conhecimento que se traduziu facilmente em desenvolvimento tecnológico, econômico e consequentemente capaz de prover a transformação social, vencer o subdesenvolvimento, superar o atraso e contribuir com o progresso. Todavia, há tempos, as promessas de igualdade, de liberdade e de fraternidade, proclamadas pelo projeto da modernidade, soam como uma ideia utópica no sul global.
 Contudo, a ciência moderna não é a única explicação possível da realidade. Saberes diferentes, construídos a partir de métodos diferentes, podem ser utilizados com maior adequação em diferentes contextos, a partir de suas aplicabilidades. Nesse caso o compromisso não é tanto com a verdade, mas em como determinado conhecimento se adequa e atende as necessidades de determinadas realidades sociais. Em muitos casos o conhecimento ocidental eurocentrado é suficiente e adequado para atender as demandas da sociedade, mas em outros casos, principalmente quando estamos falando de grupos historicamente marginalizados, como indígenas, transsexuais, negros, etc., o conhecimento científico é inepto, pois não é capaz de ajudar esses sujeitos a compreender sua realidade e satisfazer suas necessidades, de modo que outros saberes e conhecimentos, locais, ancestrais, tradicionais, podem e devem ser utilizados.
Não estamos negando a importância do conhecimento científico para a nossa sociedade, apenas questionando por que esse sempre tem que ser considerado superior e mais adequado que os demais? E mais, por que a ciência ocidental precisa inferiorizar o conhecimento popular para se afirmar?
A ciência por diversas vezes já demonstrou equívocos em relação a produção ou apropriação de conhecimentos. O que se propõe é dar visibilidade a povos e populações tradicionais, transgredindo a lógica moderna da ciência. São os movimentos sociais de caráter identitário que trouxeram debates sobre a diversidade e o direito à diferença para a nossa sociedade. Dessa forma, ciência e tecnologia deveriam partir de lugares étnico-raciais subalternos, como: grupos feministas, das dissidências sexuais e de gênero, do movimento negro, dos quilombos,  dos indígenas, das comunidades rurais e ribeirinhas, que ao proporem práticas curriculares emancipatórias, revolucionam as dimensões epistemológicas e  políticas, e procuram valorizar as perspectivas culturais, subjetivas e as diferentes racionalidades, tratando desde a história e atual resistência desses grupos até suas construções sociais, culturais, políticas, ética e epistémica .

Comentários

  1. A noção de conhecimento "universal" é falacioso desde seu princípio. As discussões que tivemos sobre as "pluriversalidades" e como as diferentes cosmovisões podem ser solução para diversos problemas (causados, inclusive, pela lógica da modernidade) me ajudaram a pensar as questões socioambientais. Sua síntese ajuda a rebater a primeira crítica que os estudos decoloniais recebem.

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