Aprendizados na disciplina

A disciplina contou com a participação de pessoas incríveis, vindas de diversos contextos, o que enriqueceu muito as discussões. Neste texto relato aprendizados marcantes que tive e que contribuíram para minha formação. Nesse momento estou realizando mestrado no PPGECT, na pesquisa busco entender algumas contribuições da Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) para a Educação em Ciências, pensando em algumas propostas didáticas que incentivem docentes dessa área a re-educarem as relações étnico-raciais em sala de aula. 
Um dos aprendizados que tive na disciplina, com um colega muito querido, se dá na importância de nos apresentar, de nos situar politicamente, de colocarmos nossos corpos em palavras. Então, aqui vai uma tentativa: sou uma mulher nordestina, de Maceió - Alagoas, filha de um casal interracial, mãe branca e pai negro. Me reconheço como parda, essa identidade de entre lugar, que não sofre o racismo que uma preta passa, mas que são as suas caraterísticas negras que são alvo de piadas, e os elogios são para suas características brancas, ou ainda, suas características negras são embranquecidas, como se a cor da minha pele fosse bronzeada de sol. Nós, pardas/os, somos grande parte da população brasileira, fruto de uma política de embranquecimento da sociedade, que por alguns é vista como degeneração da raça branca, e por outros como salvação da raça preta. Para mim é uma alegria ser negra e hoje poder gostar do meu corpo e do meu cabelo como eles são. 
Sou uma mulher lésbica, hoje me orgulho muito disso, mas por muito tempo não foi tão simples assim. Tenho vários privilégios de classe, que me ajudaram a entrar na universidade e permanecer nela. Sei que as chances de estar aqui escrevendo para vocês são maiores por isso. Afinal tive amigos de infância que nem sequer sobreviveram e é por eles que escrevo agora.
Tendo apresentado quem vos fala, seguirei contando outros aprendizados da disciplina. No primeiro encontro da disciplina discutimos sobre decolonialidade, foi comentado que existe um movimento de denúncia da colonialidade bem estabelecido na academia e que o movimento de anúncio está começando agora, principalmente na Educação em Ciências, pois os movimentos sociais fazem isso a séculos. Inclusive a própria decolonialidade acadêmica só existe junto aos movimentos sociais. Uma pergunta feita por um colega me chamou atenção: “Para um trabalho ser decolonial, é necessário citar os clássicos, considerando que eles mesmos já nos dizem para olhar para o sul e para nossas realidades?”. A última reflexão que anotei nessa aula, foi que a ciência e a tecnologia foram fundamentais para a construção do mito da modernidade e do conceito de Europa. Como então podemos usá-las na Educação em Ciências de uma forma decolonial?
Para a terceira aula foi sugerida leitura de um texto da Maria Paula Meneses (2014), que considero incrível e irá contribuir muito com minha dissertação. Na página 95 a autora comenta sobre “saberes locais” ser um termo depreciativo, me pergunto se é possível que esses deixem de ser depreciativos e me parece que é justamente o que a autora busca. Na página 97 a autora faz um vínculo entre os campos Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), Educação Ambiental e decolonialidade, de uma forma brilhante, questionando soluções globais para problemas locais.
Na quarta aula discutimos o textos da Marlene Wayer (2007), em que o colega que sugeriu o texto nos lembrou que o objetivo em discutir esse texto era olhar para nós mesmos, para nossa construção social de gênero. Então, discutimos que as travestis são decoloniais, não por escolha e que a decolonialidade do ser está profundamente ligada a elas, pois por uma parte de suas vidas se perguntam “quem sou eu?”. De certa forma me sinto conectada, pois essa sociedade e sua heterosexualidade compulsória nos ensina que quem se apaixona por mulher é homem, então por um período me questionei se queria ser um homem, mas é importante lembrar que existem inúmeras diferenças entre esse processo e o das pessoas trans e travestis. Essa cisgeneridade compulsória, o medo, a norma, a morte de pessoas trans é necessária para manutenção do cis-tema. Porém, Marlene nos infecta com a arte do ser e nos convida a destruir o teatro da cis-norma.
Durante as aulas dois e cinco, eu estava um pouco distraída e não fiz anotações, o que considero parte do processo de nos descolonizar e nos reconhecer enquanto humanos que não estamos sempre atentos e prontos a fazer anotações.

Referências:
MENESES, Maria Paula. Diálogos de saberes, debates de poderes: possibilidades metodológicas para ampliar diálogos no Sul global. Revista Em Aberto, Brasília, v. 27, n. 91, p. 90-110, jan./jun., 2014.
WAYAR, Marlene. La visibilidad de lo invisible. In: BERKINS, Lohana. (Org.). Cumbia, copeteo y lagrimas. Buenos Aires: A.L.I.T.T., 2007.



Comentários

  1. Que linda! Viajei no seu texto. Voltei e revivi as aulas. Retomei um monte de pensamentos e sentimentos e fiquei com vontade de escrever mais. Escreve mais também!

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