Abrindo e descolonizando caminhos


Abrindo e descolonizando caminhos

                Ao participar da disciplina condensada “Estudos Decoloniais, Epistemologias do Sul e Temáticas Sócio-ambientais” não tive como não pensar na minha história e caminhos percorridos. Todas as discussões e questões levantadas, bem como os textos lidos e debatidos, foram de enorme importância e contribuição nas minhas reflexões e formação enquanto Ser, mulher, professora e pesquisadora.
Cresci em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, chamada Estrela. De colonização alemã, por ali vivi durante 17 anos. De uma família tradicional e privilegiada, fui educada e padronizada aos moldes mais tradicionais. Eu, mulher, branca, cis-hetera, vivia em uma bolha da sociedade. Estudei em um colégio particular de uma rede de ensino evangélica luterana. Nesse lugar, ninguém falava sobre corpos. Eu não tive colegas negras. Pardos. Indígenas. Nada. Tudo era normativo. Violência? Não lembro. Realidade social, injustiças, só nós livros didáticos. Será que essa era a realidade da cidade ou será que eu fui ensinada a não enxergar os espaços?  Aposto muito mais no segundo caminho. Eu estava imersa nas colonialidades do Ser, do Saber e do Poder sem nem ter a escolha de fazer consciência disso.
 Pois bem, para começar a enxergar as diferentes realidades e fazer outras escolhas, precisei sair dali. Fui morar sozinha na Capital e estudar no Ensino Superior. É claro que foram privilégios que me possibilitaram a isso e eu devo-os reconhecer aqui. Sem esses privilégios, como ser branca e de uma família classe média, provavelmente eu não chegaria a esse lugar. Foi meu contato com a Universidade Pública e suas possibilidades, pessoas e lugares que me fizeram perceber a pluralidade de vidas e idéias, enxergar injustiças sociais e ambientais, desigualdades, corpos, homoafetividades, enfim, outros mundos possíveis. Foi nesse momento que comecei a questionar profundamente a minha vida, meu Ser e minhas origens e buscar outros caminhos.
Nesses caminhos que trilhei, busquei e ainda busco a minha desconstrução. Nessa busca por desconstrução, encontrei muitos lugares e inspirações como a Agroecologia, a Permacultura, os Povos Indígenas, as Plantas Medicinais, Sementes Crioulas, Culturas Ancestrais, os Quilombos, a Umbanda e religiões de matrizes-africanas, o Tambor, a produção de Cosméticos Naturais, as Terapias Alternativas, o Comércio Solidário, e as histórias de povos que nos ensinam a viver outras relações nos apontando para caminhos mais justos, solidários, e de respeito. Ao entrar em contato com os Estudos Decoloniais, essa minha história e necessidade de busca toda fica mais clara e os caminhos percorridos até então fazem (um pouco) mais sentido: o de descolonizar-se. Ainda há muito a trilhar e aprender! Surgem com certeza mais dúvidas e questionamentos, mas agora com olhares mais críticos e atentos. Precisamos, como um coletivo, nos desconstruir e desapegar dos laços coloniais, e aprender as nossas verdadeiras raízes.

Imagem retirada de http://opinionesdegabriel.blogspot.com/2012/03/descolonizate.html

Durante a disciplina, o texto da Marlene Wayar, uma mulher trans, foi um grande tapa na cara. Ela nos convida a entrar em seu mundo, e enxergar a morte dos corpos presentes ao redor de sua vida. A morte de corpos de pessoas TRANS, que são completamente marginalizadas e silenciadas pela nossa sociedade capitalista. Para nos afirmarmos como corpos brancos hegemônicos, padronizados, a qual eu fui ensinada a ser, MUITAS pessoas precisam morrer. Negrxs, índixs, trans, gays, lésbicas, não-binárixs. Pessoas que fogem de padrões são mortas pelo nosso preconceito, pelo nosso medo de não ser. Medo de não ser aceito, medo de perder privilégios. Ou talvez pelo medo da liberdade de simplesmente Ser? Fico a refletir. Qual o meu papel de combater, ser contra tudo isso? Como apontado pelo nosso colega, precisamos nos TRANSformar, TRANSgredir, TRANSmodernizar. E assim, nos libertar.
Outro texto que também me levou a fazer reflexões foi da Anne Kassiadou. Trazendo diálogos entre a educação ambiental crítica e os estudos decoloniais, a autora menciona a Colonialidade da Natureza exposta por Catherine Walsh. Esse texto me levou a uma imagem de um cartão postal que está colada na minha geladeira. Durante os debates foi levantada a seguinte questão: é possível falar em caminhos sustentáveis numa sociedade capitalista?



Atrás do cartão postal está escrito a seguinte frase: “Es posible construir sin destruir la naturaleza. El capitalismo destruye a la naturaleza y al ser humano. Los indígenas y campesinos nos ensenãn outro caminho.” (Beatriz Aurora, acrílico, 2006). Acho que a frase por si só já responde a alguns desses questionamentos. Acredito que só poderemos falar em sustentabilidade a partir do momento em que nossa sociedade não for mais pautada em valores do capitalismo, só assim conseguiremos produzir sustentavelmente. E para isso, a cultura dos povos indígenas e dos campesinos deve fazer parte da construção desse modo de viver. Deve ser respeitada e valorizada. Enquanto olharmos a natureza apartados de nós, enquanto um objeto a ser explorado, jamais alcançaremos um equilíbrio e harmonia em nosso Mundo. Muitos podem achar utópico demais, ou sonhador demais, mas sendo bem otimista é o que eu acredito, o que eu busco, e com o que estou comprometida política e socialmente, a construir JUNTOS um novo caminhar. E assim, prefiro caminhar para o mais próximo que seja da utopia, do que continuar no mesmo lugar. Para terminar, deixo aqui outra imagem da pintora Beatriz Aurora e sua frase que inspira aos caminhos decoloniais: outro mundo é possível!
 
Imagem retirada de http://schoolsforchiapas.org/store/printed-materials-stationery/posters/otro-mundo-es-posible-poster/

Comentários

  1. Lia, eu simplesmente adorei. Adorei conhecer sua história. Fiquei impressionada em como aquela imagem e a frase casaram com nossas discussões. Também me recordei de alguns sentimentos que experimentei ao ler o texto da Marlene Wayar. Vou me inspirar nas suas palavras e tentar escrever um pouco mais sobre isso. Obrigada!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Sequência Didática: Corpo, ciência e esporte: Encontros e Desencontros. “O Caso Tifanny Abreu na superliga de Vôlei”

Qual a cor do imaginário ‘cientificamente comprovado’? Posição que cala, lugar de fala

Africanização do currículo